Na própria pele

Vivemos num tempo, no mínimo, controverso.

Nos expomos, cada um na sua minoria maior... nos identificamos e reconhecemos.

Combatemos, amorosamente ou não, os preconceitos de toda ordem e temos a tendência de julgamento dos que ousam pensar, agir ou sentir diferente de nós.

Existem os que mudam o cabelo, pintam, cortam, raspam... tatuam ou escarificam a pele...

Os que tem filhos dos filhos, os que querem ter filhos para outros, os que assumem amor pelos filhos alheios e até os que não suportam crianças ou traços infantis de qualquer ordem.

Os que querem mudar de corpo, de sexo, de nome...de país, de profissão.

Aqueles que reforçam os estereótipos do feminino ou masculino, ou não...homens que usam vestidos ou saias, mulheres que operam escavadeiras e dirigem caminhão.

Os que querem eliminar peso, mesmo que isso signifique abolir a si mesmo.
Os que vendem a casa em troca do mundo... os que batem e combatem por conta das discussões políticas.

Aqueles que querem voltar a viver em comunidades e os que compram apartamentos com espaços cada vez mais reduzidos.

Os que vestem marcas, trocam carros, lanchas, jatos e amigos por curtidas.
Aqueles que comem carne suficiente para uma tribo da Era Paleolítica... os que são amigos dos animais, não os considerando comida.
Os que fazem malabarismos nas finanças para bancar jantares ou viagens... e os que decidem viver com pouco, produzindo tudo à moda antiga.

Aqueles que expõem a vida intima, na cama, no banho ou nas refeições.
Temos todos os perfis, tipos, classificações... nos conservamos em nichos de consumo, restringimos as posições políticas, participamos de comunidades afins e confrontamos os “grupos adversários”.

E pra que tudo isso? Será mesmo que é pelo simples gosto de estar com os seus?

De ter segurança onde ou com quem se está categorizado?

E agindo assim, garantimos o quê? Alguém sabe me responder?

Respiro fundo... como forma de encher o peito de ar e de mim.

A ideia aqui não é reforçar a construção das barragens dos rios da vida.

Ao contrário, meu interesse em tratar da humanidade... esse linho invisível que nos liga, com ou sem categorias próprias.

Meu gosto, na escrita e na vida, é por acolhimento do diverso.

A diferença me encanta e enternece.

Meu exercício de ser gente passa por isso... por reconhecer que o ser mutante que se apresenta é sempre algo a ser descoberto.

Essa descoberta se dá por conexão... nos olhos, nas almas e, às vezes, nas mãos.

É certo que, por vezes, tento essa ligação e não acontece...
Como explicar isso? Não sei, nem arrisco...

Apenas prossigo, certa de que os enlaces diferentes se dão por via de mão dupla.

Quando alcanço a reciprocidade, estamos distintos e ligados...e a graça da vida continua...

Independente da categoria, social ou política, econômica ou sexual, de gênero ou ancestralidade... o que e a quem me conecto é por paixão.

Com paixão, acompanhando a dureza e a leveza, me envolvo com o que o outro é... a fim de estar apta a discernir sobre o que ele disse, pensou ou sentiu.

Um momento santo...compassivo e suave, mesmo que a conexão revele dificuldades, abusos, erros e avessos.

Acolho o diferente no outro e em mim, como uma forma de agregar... somar o que me falta e compartilhar o que abunda no diverso.

Assim, faço o exercício da troca...do colocar-me na mesma condição, seja ela qual for.

Consigo olhar pro outro, no verso e anverso, no esquerdo ou direito, na perspectiva quase completa (por que não tenho a pretensão da completude).

Trocamos, conectados, nossas peles...buscando entender o que vai no vão do pensamento ou na emoção.

Quando volto a mim, me amo mais, me aceito e me perdoo porque pude fazer tal exercício.

Trocando de lado, lugar e categoria, ainda que apenas na teoria, muda o sentimento de ser algo que não sou.

E ao invés de criticar, julgar, prender, reduzir até arriscar perder...

Ao invés de continuar o movimento das classificações para a segurança de todos...

Prefiro e escolho a insegurança de me ver desse ou daquele jeito...

Escolho me permitir mudar de vida e renascer, na mesma existência.

Prefiro que o outro continue sendo ele...como é e em tudo que quer ser.

Assim, sou maior a cada dia...e me sinto bem na minha própria pele.










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